terça-feira, 10 de julho de 2012

ONDE FICOU O AMOR?


Onde ficou o amor em que recanto
Permanecem lembranças enluaradas,
Perfumada paixão, febril encanto
Das nossas almas tão apaixonadas?

Onde lágrima, riso, desencanto,
Ficaram pelas ruas derramadas?
Onde se encontram canto e contracanto
Em uníssona voz nas madrugadas?

A vida é pouca, é breve e tudo é vão,
O próprio corpo, a mente, o coração,
A ânsia da fortuna e da glória.

Ficaram onde o olhar, o beijo, o abraço?
Cruel dizer, perderam-se no espaço,
Só nos restam lampejos da memória.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O DONO DA HISTÓRIA


Era uma vez - dizia eu ao filho-,
Um homem que narrava em livro imenso
Histórias de guerreiros, de castilho,
De branca lua sob céu suspenso.

Com invasores maus - era o estribilho -,
Grande Forte estrelado e indefenso
De bravos potiguares em consenso,
Ao recobrar a terra e dar-lhe brilho.

Era uma vez um sonho colossal,
Cascudo, Auta de Souza, Lourival
E luzes que refletem sua glória.

Falou do herói, vibrante em forma esteta;
Também da terra, do homem e do poeta,
Depois, dormiu em sua própria história.

sábado, 14 de janeiro de 2012

MEU POBRE VERSO


Meu pobre verso, tão desimportante,
Que não aplaca a dor do desgraçado,
E não propõe um lado ou outro lado,
Nem fala de alegria fulgurante.

Meu pobre verso, quase rotulado,
Feito no dia-a-dia, itinerante.
E sem fascínio,quase dissonante,
Não retém nas suas frases o encantado.

Ergo o verso monótono sem sal,
Repleto de lembrança e de saudade,
Tentando libertá-lo do real.

Vejam, contudo é verso e passaporte
Meu pobre verso cheio de ansiedade,
Que pode transportar-me além da morte.

domingo, 1 de janeiro de 2012

QUERO BEIJAR-TE, Ó MAR


Quero beijar-te, ó mar de minha terra,
Beber espumas de saudade, tanta.
A dor que nos envolve e nos aferra,
Ó ondas cristalinas, torne-a santa.

E nada cause entrave na garganta.
Encerra, pois, as dores da alma encerra.
Com tua cor e luz cura esta guerra;
Esta ferida cura com tua manta.

Que fui na vida pássaro migrante,
Sempre estrangeiro, eternamente, errante,
O horror da fome e sede causa mágoas.

Quero esquecer as feias primaveras
E renascer feliz para outras eras,
Cura minha alma, ó mar com tuas águas.

O NÁUFRAGO


Sou náufrago perdido na borrasca
E só vejo sargaços sobre a areia.
O vento sopra forte com nevasca
A encobrir a bela lua cheia.

Não existe pro náufrago candeia;
Do barco submerso, a vela, a casca,
Denunciam que em minha triste aldeia,
Foi tudo destruído na carrasca.

Pois em que mar a bússola e as velas
Perdi. E tive apenas as estrelas,
Hoje a guiar-me nesta imensidade.

Sou náufrago de mares adversos
De sentimentos vários e dispersos,
Perdido no rigor da tempestade.

HEMODIÁLISE


Hoje faz parte do meu corpo a máquina,
A depurar o sangue em minha veia.
Faz no meu corpo inteiro uma odisseia
A remover a ureia e creatinina.

Eu, enredado, dentro de uma teia,
Para não gelar o sangue heparina.
Use-a doutor, na veia e na artéria:
Seja banhada pela cloramina.

Ó máquina que iguala o pobre e o rico,
O branco o negro o alegre e o pudico
Conformemo-nos sempre com a desdita!

Enquanto se procura um transplante,
Que sejas tu ó máquina a amante,
Enquanto a alma cala e o corpo grita!

sábado, 26 de novembro de 2011

AMOR E RAZÃO


Certa ou errada, amor, eu tenho pena
Do sentimento nobre dispersado.
Deu-te, a razão, o mundo encantado
Com as cores lilases da verbena?

Chega a sofrida dor e rouba a cena.
Este querer profundo, ora arrancado,
Tem um choro sutil, resignado,
Na dimensão, tornaste a dor pequena.

Que sede de razão te determina,
A ponto de mudar a nossa sina
E transformar a vida em solidão?

Certa ou errada, amor, fico magoado,
O sentimento ao chão foi derramado,
Pois o amor não combina com a razão.

domingo, 1 de maio de 2011

UMA TRADUÇÃO SIMPLES DE SHAKESPEARE


Morrer, dormir... dormir... talvez sonhar!
É onde bate o ponto. Ora, afinal,
Quem sofreria o açoite a maltratar,
Pedras, setas, a luta contra o mal,

As dilações da lei, dever social,
O mérito paciente e o findar
Do não correspondido verbo amar,
Com a dolorosa dor em ritual?

Ó vida longa, ó mar de provação,
Homem – sombra que passa a caminhar –
Na incerteza do sono casual.

Assim, ser ou não ser, eis a questão,
Morrer, dormir... dormir... jamais sonhar...
Seria a solução de um bom punhal!

sábado, 22 de janeiro de 2011

O VELHO RETRATO


Encontro, em velho livro adormecido,
Nosso retrato antigo, descorado.
Pensando, me pergunto estupefato:
Foste o amor grandioso adquirido?

Quem eras tu? Quem era eu de fato?
Eras tolerante; eu, o obstinado,
- Vênus e Marte - vidas lado a lado,
E que ao rigor do tempo, revolvido.

Hoje eu não sou eu, nem tu és aquela,
Perdemo-nos no tempo, na procela,
Resta um jarro de flores como ornato.

O homem muda no passar do tempo;
A chuva, o sol, o amor e o contratempo
Transmudam a nossa vida qual retrato.

domingo, 5 de dezembro de 2010

MENDICIDADE


De quando em vez, encontro na estrada
Uma mulher idosa, séria e esguia.
Na cabeça, uma toalha avermelhada;
O rosto, empedernido em demasia.

Em cada esquina, cumpre sua jornada,
A remexer o lixo em anarquia.
A catar trapos rotos e fasquia,
Segue velho burrico a desgrenhada.

Dizem que vende e gasta seu dinheiro.
Penso, então, no seu triste e vão roteiro
E na filosofia do universo.

Durante minha vida na alameda,
Troquei muita migalha por moeda,
Seguido apenas pelo pobre verso.

domingo, 21 de novembro de 2010

DISTOPIA


Este lajedo imenso, cinza escuro,
De areia e de tijolos encimado,
Construímos quadrado por quadrado
Para que fosse grande o teu futuro.

O preconceito, juro que esconjuro;
Então, de sol e sal vivo adornado,
As mãos calosas, corpo macerado,
Faca afiada e sentimento puro.

Grande é o país e belo. Em seu destino,
Não comporta no corpo a distopia.
A tua terra é minha e a minha é tua.

Sou da terra dourada, nordestino;
Vamos brindar a paz em harmonia,
Nosso progresso, sob a luz da lua.

domingo, 14 de novembro de 2010

RELICÁRIO


Que fazes da memória do passado?
Guardas em relicário noite e dia,
Qual esplêndida joia? Tal mania
Só torna o coração mui magoado.

O destino cruel por ti traçado,
Amar e desamar não tem valia;
Não se repete o amor, não se copia
O belo verso que já foi versado.

Não creias em alguém que odeia e ama
E vive a saltitar nos sentimentos,
Vivendo dos opostos esta chama.

Lança longe o passado e tua memória,
Nada vale guardar velhos momentos,
Do teu presente, faz uma outra história.

domingo, 7 de novembro de 2010

ALMA SERTANEJA


Horas quentes e calmas sem alento,
Nem um sopro de brisa acaricia
A terra. Sequiosa e tão vazia,
Embota o corpo e mesmo o pensamento.

Descolorado solo, mui sedento,
contorcendo-se os galhos numa orgia,
Rogam nuvens no céu em romaria
para um tanto de chuva ao seu sustento.

Minha alma, como a terra sertaneja,
Arde a sofrer, assim, nesta peleja,
À espera da resposta: uma guarida.

E vê passar as horas no brasido,
Em uma busca eterna, no sentido
Do significado sobre a vida.

sábado, 30 de outubro de 2010

O CIPRESTE


Sou só e calmo qual cipreste esguio,
Que se balança à noite ao som do vento.
Na borrasca da vida, eu no relento
Sofro intenso calor e o oposto frio.

E canto livre como canta o rio
A desaguar no mar, claro ou cinzento.
Sou só e cônscio, este é o meu feitio
Ao pé da estrada, em pleno esquecimento.

Ouço a canção do vento em noites claras;
O murmurar das ânsias do humano;
As promessas de amor e as juras raras.

E tudo cansa nessa diretriz.
À minha sombra, abrigo o cotidiano,
Na luta intensa para ser feliz.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

AUTA DE SOUZA


Veio de longe a voz terna e sonora,
Da mansidão sublime e dos enleios,
Da terra agreste e quente, dos anseios.
De uma extensa noite ou da aurora?

Veio de longe a bela ave canora,
Com flores perfumadas nos seus seios.
Tocando os corações com seus gorjeios,
Ainda ouço a música de outrora.

O canto triste e pleno em simbolismo,
Na fé e mansidão, catolicismo,
Com luto e dor percorre a trajetória.

Veio de longe a voz mui cristalina,
Anjo moreno em corpo de menina,
Alçando voo para entrar na história!

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

SONETO ANDALUZ


Eu quero as casas brancas de Casares,
Penduradas no céu, em harmonia.
Buganvílias em flor e seus colares,
Ornamentando a bela Andaluzia.

Oh! Málaga, Granada e Almeria;
Sevilha,com suas festas populares.
Oh! Cidades com brilhos estelares,
Córdoba, Jerez, Cádis. Bulerias,

Danças flamencas com seus belos passos,
Versos de Lorca, tintas e picassos,
Torre de Ouro, alhambra, chafariz.

Oh! Árabes, judeus, belos ciganos,
Unidos, libertários, soberanos,
Quero-te, Espanha, para ser feliz!

À MINHA MÃE


A minha mãe deixou-me grande herança,
A calma imensa e a fé inabalável;
O livro do viver, o formidável
Acervo de cultura e segurança.

A minha mãe deixou-me a esperança
De enfrentar o que é inevitável;
A paz de aceitar o que é mutável,
A honestidade e o amor à semelhança.

Não existe em meu peito a dor do luto,
Se no pensar, minuto a minuto,
O seu perfil me envolve e me aquece.

E mesmo que não haja eternidade,
Ela vive na minha identidade,
Nesta lembrança que transformo em prece.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

VAMOS BEBER O MAR


Vamos beber o mar, a nossa herança,
A brancura da espuma efervescente,
Dando vida ao azul em sua torrente,
A desaguar no peito esta bonança.

Vamos beber o mar, nossa esperança,
E nele navegar seguidamente;
Partir a cada aurora e, no poente,
Trazer a pesca e a nossa confiança.

Vamos agora ao mar, à nossa vida!
Tesouro e fado, Terra Prometida,
E transformá-lo em hino e estandarte.

Vamos beber o mar, nossa ventura,
Templo de água e sal, nossa cultura,
E fazer dele a nossa maior arte!

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

DESCONSTRUÇÃO


Desconstruo meu “eu” todos os dias,
Todos os dias morro e após renasço;
Depois, junto pedaço por pedaço,
Desfaço-me das dores e alegrias.

Quais árvores em plenas invernias,
Perdem folhas e flores no cansaço;
Dispo meu ser do trapo velho e lasso,
Das esperanças mortas, nostalgias.

Sou um vaso vazio, repousado,
Silencioso e só, cônscio e desperto,
Visando o novo, enfim desabrochado.

Esqueço-me do ontem, de outrora;
Serei planície verde, após deserto,
Nascer e renascer em cada aurora.

domingo, 19 de setembro de 2010

O RIO POTENGI


Vem de Cerro Corá, serpenteando,
O Rio Potengi, belo e garboso,
Entre rochas e mangues, ruidoso,
Com águas claras, vento forte ou brando.

Ah! Bravo sertanejo alimentando
Famílias, plantas, aves, mui honroso
Do teu destino azul e piedoso,
Das brancas velas calmas navegando.

Nobre Rio que enlaça a minha infância,
O norte e o sul da Terra Potiguar,
Inda conta ao estrangeiro tua história.

Acalma a nossa dor, a nossa ânsia,
Em tua rede aquosa a recordar
Um passado de luz, combate e glória.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A CURA DO MEDO


O medo se agiganta e te entorpece,
Qual poderoso monstro a atormenta;,
Andas de lado a lado a caminhar,
Olhar nos céus e mãos postas em prece.

Pois nesta febre nada te arrefece,
Apenas dor e dor a torturar;
Chega um momento, o medo a transbordar
Cega e domina e nada te espairece.

Considera os verdores das ramadas:
Ao abrigar os seres do calor,
Inda oferece flores nas latadas.

Independe a coragem de segredo;
Oportuniza a paz ao teu redor.
Curar o medo é estar defronte ao medo.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

ABSTRAÇÃO


Pois vivo e esqueço o célere vivido,
Observando a nova nuvem rápida.
Nada peço. Nada há que ser pedido
À paisagem fugaz, beleza cálida.

Pois nada existe para ser temido,
Tornar a nuvem bela menos válida?
Há que deixar no tempo este perdido
Momento. Virá outra nuvem pálida.

Enquanto passa o tempo, eu também passo,
Sem o inútil sofrer ou a alegria.
Sereno vivo a vida em seu compasso.

Agora, todo o céu está nublado;
Formaram-se no céu, em romaria,
As nuvens, sem história ou passado.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

HOUVE UM TEMPO


Houve um tempo de flores nas janelas,
Beijos de mães e noites enluaradas,
De cítricos aromas nas donzelas,
Brincadeiras de anéis pelas calçadas.

Houve um tempo de cravos nas lapelas,
Histórias de fantasmas, patuscadas,
De namoros nas altas madrugadas
Com promessas de amor, contando estrelas.

Se agora trago as minhas mãos vazias,
Se não existem mais as fantasias,
Se aprendo a conhecer o pensamento,

Que fique, então, meu verso como lastro,
Se não ficou de mim o próprio rastro,
Se tudo foi varrido pelo tempo.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

A FUNÇÃO DO POETA


Sou poeta do sol, da seca, vento
Debruçado nas palhas do coqueiro,
Do burrego na estrada mui sedento,
Da lua cheia sem qualquer roteiro.

Da porrada e da fome sou herdeiro,
Cavando o barro para o meu sustento.
Do mangue, da caatinga, do cruento
Calor que se derrama no telheiro.

Sou poeta das bocas esfaimadas,
Dos olhos tristes, caras espantadas,
E do homem ordinário e vida inglória.

Terras desbaratadas e esquecidas,
Sou poeta da angústia e subvidas,
Dos que morrem buscando nova história.

terça-feira, 29 de junho de 2010

MISCIGENAÇÃO


Meu coração um tanto lusitano,
Brasileiro da gema, atordoado,
Bate em meu peito alegre e soberano,
Estala na garganta em triste fado.

Meu coração, eterno inconformado
Com a escravidão imposta ao africano.
Às vezes mui devoto ou mui profano,
Vendo o índio no lar desbaratado.

A cada instante, um “eu” minha alma aflora,
Às vezes, noite escura; outras, aurora;
Às vezes, sou profundo ou pueril.

Às vezes, sou faminto ou bonançoso,
Sou desespero, sou esperançoso,
Meu coração retrato do Brasil.

O COQUEIRO


Coqueiro que habita no nordeste,
Com seus verdes pendões, engalanado,
A balançar no vento saturado,
De sal e brisa e sol ele se veste.

De verde ou amarelo, ele enfeitado
Enfrenta com coragem inconteste
Todo o rigor da seca no agreste,
Lição de vida sobre o assinalado.

Não são as rosas, com tanta lembrança,
que carrego do tempo de criança,
mas tuas palmas, grande companheiro!

As hastes que, apontando o infinito,
Cheias de verde, mostram o erudito
Que fez minha alma como a de um coqueiro.

O REVERSO DA MEDALHA


Em primeiro lugar, o anel perdido,
Junto com a bela máscara no rosto;
A pose altiva, ríspida e o gosto
De humilhar o fraco e o oprimido.

Foi bem antes que o sol se houvesse posto;
Seu reinado ruiu empobrecido.
Qual cego rei que, mui envelhecido,
Vê, pelo filho, o império ser deposto.

Sim, primeiro os anéis, depois os dedos;
Esquecendo do mundo, eis os segredos
Que a vida cobra a quem vive sem dó.

Depois, ora, depois apenas sombra
De um catre carcomido que era alfombra,
De um arremedo de homem que era pó.

A UM AMIGO


Tu não viste brotar em tua estrada
O flamboyant vistoso, engalanado
Com pétalas vermelhas adornado,
No teu breve viver, triste jornada.

Tu não notaste as aves em revoada,
Velozes no infinito constelado,
Em noturno volteio assombrado,
Pousando melancólicas na enseada.

O mesmo céu de ontem é o de agora?
A mesma busca eu sei que continua.
O que ficou de ti neste recanto?

Doce lembrança sinto nesta hora,
Nesta paisagem terna à luz da lua,
Neste soneto triste que é meu canto.

O MOMENTO


Ó momento fugaz que insiste e abrasa,
Escreve a tinta-sangue este momento
- Que instante febril, que golpe de asa! -
E transmuda o viver em um lamento.

Em nosso pensamento faz tua casa,
Aumenta e engorda com este alimento.
De minuto a minuto, o adiamento
De esta ardência que célere me arrasa.

Estala o dedo, pronto, foi-se a aurora,
Que não demora, amigo, não demora.
Diz a ti mesmo:que instante fugaz!

Entretanto - observa o pensamento -,
É o momento que cria o outro momento.
E assim encontrarás a luz e a paz.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

O PREÇO


Ouço passos distantes do passado
Que, mesmo no clarão de um belo dia,
Fazem pensar no que já foi pensado,
Apagam chama que há tanto ardia.

Ouço estes passos sempre, nostalgia,
É triste rastro, enfim, por mim traçado;
Família, amigo, amor, tempo dourado,
Ausentes todos, tornam ao meu dia.

E minha casa sempre está repleta
De vultos, de perfume e de adereço.
Às vezes choro e rio; pra ser franco,

Mesmo vazia, a casa está completa.
Eis o preço das rugas, este é o preço
Que o tempo cobra ao meu cabelo branco!

quinta-feira, 20 de maio de 2010

ADIVINHAÇÃO POÉTICA


Quem traz no verso o aroma do alcanfor,
A flor do bogari, mui perfumada?
Quem das palavras é grande inventor,
Ouvindo os tangerinos na boiada?

Quem canta madrigais com tal fervor
E teve por Palmares sua morada,
Velhas casas e um rio ao derredor,
muita história sombria, alma encantada?

Quem com a força das águas, sob a lua,
Fez amor com a mulata em plena rua
- Ouricuri, chapéu, balão, esteira?

O nordeste é a voz que ele defende:
- Vamos comigo, vamos pra Catende!
Pois lá descansa Ascenso, luz, Ferreira.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O MENINO E A ROSA


Desce o menino rápido a ladeira,
Mancando com o pé todo enfaixado;
Roupa suja, cabelo desgrenhado,
Segue a queimar na lida sua fogueira.

Uma rosa na mão, determinado,
Tenta sobreviver à sua maneira.
Na areia quente, qual uma lareira,
Segue pé ante pé, desamparado.

Sob o sol do nordeste que, escaldante,
Queima a infância do pobre caminhante,
O que ele escreverá em seu destino?

Ah! Injusto e cruel cotidiano,
Pergunto aos céus, ao todo soberano,
Quem mais frágil: a rosa ou o menino?

quinta-feira, 29 de abril de 2010

TEMPO NÃO CURA O AMOR


Tempo não cura o amor; este adormece
Entre brancos lençóis a descansar.
Ah! Criança febril que se amornece
E com as lembranças tenta se curar!

Finge dormir o amor; finge que esquece
Da face, dos cabelos e do olhar;
Do perfil e colar que resplandece
A pele clara e o seio a palpitar.

Enquanto dorme o amor, tudo se acalma;
A dor profunda que amordaça a alma,
Sob brancos lençóis já se encoberta;

Basta um beijo fugaz, basta um perfume,
Na escuridão do abismo, basta o lume,
Que na ilusão da luz, ele desperta!

sexta-feira, 23 de abril de 2010

DORME COMIGO A MORTE


Dorme comigo a morte e acorda cedo,
Como se fora a amante preferida.
Faz promessa de amor, conta o segredo
De um eterno descanso em sua guarida.

E me oferta uma vida noutra vida,
Afirma revelar-me todo o enredo.
Brinca de esconde-esconde e, na corrida,
Tenta espantar a angústia, a dor e o medo.

Fique tranquila, eu digo: - Não me iluda.
Que me importam conselhos, tua ajuda?
Não tente me enganar como a um menino.

Deita comigo e embale, então, meu sono,
Estou livre e sereno em meu outono,
A última estação do meu destino.

O DESEJO


Basta de ânsias eternas, enfim, basta!
O amor é bem maior que este manejo
De perfis, a viver sob o cotejo
De imensos vagalhões que a tudo arrasta.

É mui maior o amor que este desejo,
Próprio da juventude entusiasta;
Grande é o amor, suave noite vasta,
Não a réstia de luz, breve lampejo.

Que horror é este? Ah, que pouca sorte!
Nascer, crescer, viver até a morte,
Sentir do ciúme a dor de sua vergasta.

Eu quero o amor com toda a sua nobreza,
Do grão ao astro idêntica grandeza,
Basta de ânsias eternas, enfim basta!

terça-feira, 9 de março de 2010

PERFIL


Devias ver o meu olhar perdido,
Os lábios ressequidos, tão sem gosto;
Meu coração em prantos, muito exposto,
Neste corpo febril, enfraquecido.

Devias ver as rugas no meu rosto,
Este jeito tristonho, assaz sentido;
Perfil de um homem já envelhecido
Por inúmeras luzes do sol posto.

Tudo mudou, eu sinto, em pena tanta,
Que o silêncio me envolve e então me espanta,
Na orfandade cruel da nossa sorte.

Devias ver grisalhos meus cabelos,
Saber que, por amor, os meus desvelos
Serão por ti até a hora da morte.

sábado, 6 de março de 2010

OS EXTREMOS


Jamais amei a esquerda ou a direita.
São opostos cruéis que se atraem,
São rótulos, e os rótulos nos traem,
Formam no ser humano mente estreita.

Os extremos já têm uma receita,
E a vida nem sequer receita tem.
O certo e o errado, o mal e o bem
Implicam, no julgar, grave suspeita.

Não sejas pelo extremo então marcado.
Enquanto houver um lado, ou outro lado,
Serás uma etiqueta sem valia.

Ser livre é estar desperto à sutileza
De viver como a própria natureza,
Em liberdade plena e com alegria.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

CORAÇÃO ALADO


Meu coração alado já não voa,
Impossibilitado e mui premente,
Como água da chuva, forte escoa,
Desaguando no rio sua torrente.

Não anima os moinhos, evidente,
Nem carrega um barqueiro em sua proa.
Inútil o som que bate e ainda ecoa,
Em um corpo febril que jaz dormente.

Quem roubou sua paz, a fantasia
De trabalhar, viver com alegria?
Os meus órgãos vitais estão em brasas!

Devolvam já meu leme e a quimera,
Pra que eu possa voar na primavera.
Meu coração alado quer suas asas!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

O PENSAMENTO


Pertence o pensamento cotidiano,
- Esfera imaginária, empobrecida-,
À inútil paisagem envelhecida,
De sonho vil ou de cruel engano.

E nesse labirinto, o ser humano
Vagueia nos extremos desta vida.
Na indecisão, a mente reduzida
À escuridão do triste desengano.

Pensar e repensar; a claridade
Independe do horror da atividade
Que o pensamento leva à discussão.

Apenas observa sem preceito;
Sereno, escuta, sem nenhum conceito,
E brilhará a luz na escuridão.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

SONETO HERÓICO


Ó heróico soneto, eu te bendigo,
Em tua forma métrica, alumbrada,
No engenho de ouro e luz, cristalizada,
Servindo-te meu estro como abrigo!

Tu foste de Camões o grande amigo,
A cantar grande glórias da jornada.
De Bandeira e Vinícius, tão amada
Forma de versejar. És novo e antigo.

Do que falam meus versos: - sentimentos
Sobre a vida e o sofrer ou pensamentos
Que produzam no “eu” total reforma.

Sobretudo do mar e suas procelas,
De alegrias e flores e de estrelas,
Ó meu soneto heróico em tua forma!

sábado, 30 de janeiro de 2010

OS DANÇARINOS


Eles dançavam loucos na alegria
Do viver. Oscilando venturosos,
Em movimentos rápidos, formosos
Rodopiavam cheios de harmonia.

Dançavam fosse noite, fosse dia;
Pareciam sorrir dos desditosos.
Aos labirintos tristes, belicosos,
Respondiam nas asas da euforia.

- Que insensatos são estes dançarinos.
Incautos, vivem tais como uns meninos,
Dizia a voz do povo, o juiz.

Pensei: – ora, que grande desempenho,
Descobriram nesta arte, neste engenho,
Uma maneira de se ser feliz.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A ANDORINHA


Pousou uma andorinha na janela,
Cantou ali o seu último canto.
Sob um ramo, encontrei-a; ao meu espanto,
Crês, não nasceu no céu qualquer estrela.

Ela era branca e negra a magricela;
Não sofreu; e tampouco qualquer santo,
No desenlace, veio recebê-la,
Restando, ao fim, vazio este recanto.

Era um ninho de palha, visgo e barro.
Sem tesouro ou herança, o ser bizarro
Vivia sem temer a própria sorte.

Sofremos quando há na vida apego,
Pois somos egocêntricos e cegos,
nunca indagamos sobre a vida e a morte.

O ESPELHO


Nós, almas tristes, almas separadas,
Umas das outras almas, erradias,
No espanto do existir, então sangradas,
Na dor do não saber, sem alegrias.

Ó almas que granjeiam fantasias
Para sobreviver, almas cansadas,
Buscam no céu consolos assustadas,
Reféns de nossas próprias covardias.

Flores dos campos belas, coloridas,
Não sofrem ou anseiam outras vidas;
Nascem e desconhecem suas belezas.

Diariamente, vamos ao espelho
procurar descobrir qual o conselho
Que nos ensina o livro - natureza.

sábado, 23 de janeiro de 2010

SONETO AO SOL


Mais belo é o sol que toda a teosofia,
Não pergunta nem crê ou articula,
Dá sombra e luz, é fonte de harmonia,
Não chora as suas mágoas nem rotula.

Mais belo é o sol do que a filosofia,
Quando aquece a semente, ele estimula
E faz brotar a flor e a alegria,
Não vive a culpar-se ou especula.

Ó sol que brilha, que nos esclarece,
Que não junta às mãos, postas em prece,
Nem fica a aguardar um novo dia,

Dá-nos o teu calor, ó soberano,
Para que nos tornemos mais humanos.
Mais belo é o sol que toda a Academia!

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

ORPHEU E EURÍDICE


Eu sempre fui Orpheu, tu sempre Eurídice,
Por isto hei de te amar, eternamente;
E deste amor que é quase meninice,
Farei minha alvorada e meu poente.

Que importa se, da vida, uma corrente
Ate ou nos desate. Ah, pura sandice,
Quero saborear tua meiguice,
Neste breve momento transcendente!

... E tudo passa rápido.E, passando,
Com este intenso amor nos abrasando,
Até que nos encontre a vil velhice.

Serei a tempestade e tu a calma,
Serei o amor, serás tu a minha alma,
Pois sempre fui Orpheu e tu Eurídice!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A PROCISSÃO


Na praia, sob o sol brilhante e quente,
O mar de enormes ondas, verdejando;
Lá, uma procissão branca, cantando
Uma solene música plangente.

O pastor a rezar, obediente,
Em harmonia com os fiéis, andando,
A carregar o andor. E ornamentando,
Flores emurchecidas, penitentes.

Festa luzente, claridade e ardor,
A marcha a contrastar com o derredor,
Um pescador feliz com seu anzol;

Mulheres de biquínis coloridos,
Crianças com sorrisos, referidos,
Por que a procissão à luz do sol?

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O HOMEM-SERTÃO


... E que grande deserto é o homem!
Semiárido ou seco e salinado,
Com pesadelos maus que o consomem,
De gravata e sorrisos adornado.

E, acrescentado a isso, vamos, somem:
De dor e solidão, é macerado;
Inseguro a sofrer - já esgotado -,
Dentro do sertão vira lobisomem.

Inventa a religião e sua antítese,
Vês? A filosofia e sua tese,
Promove a confusão, o caos na Terra.

Pede perdão a Deus, enraivecido,
A chorar, agastado e enternecido,
A rogar pela paz, fazendo a guerra!

sábado, 16 de janeiro de 2010

O FLAUTISTA


Ele era magro, jovem e a estética
Estava modelada em sua pauta;
No contorcido corpo havia a súplica
De produzir o som em sua flauta.

Nada o detinha, mesmo a própria malta,
A falar e gritar em sua dinâmica;
Nada rompia a viagem do argonauta,
Embriagado de vez com a sua música.

Com seus olhos cerrados, sempre ausente
Do mundo tolo e vão que o rodeava,
Num círculo abissal era vidente!

Que pena não ser eu mais otimista,
E carregar no peito a dor escrava,
De fazer versos e não ser flautista!

O MEDO


Tu queres navegar em altos mares,
Nesta jangada tosca, apodrecida?
Parte já, sem pensares na partida,
Busca altas ondas, vai noutros lugares.

Precisas do perfume de outros ares?
Enfrenta o dia e a noite. Em tua corrida,
Nada é constante e eterno, se provares
Da novidade que oferece a vida.

De nada vale a vida estagnada.
Desperta! Pega a tua jangada cedo
E, para não fugir ao bom combate,

Vai! Na primeira luz da madrugada,
Liberta-te do monstro que é o medo,
Muito antes que ele aumente e, então, te mate.

A RENDEIRA


Como a rendeira, tece o seu bordado,
Trabalhando a cantar horas a fio,
Quer seja na choupana ou beira-rio,
Ponto sol, ponto lua, eis seu traçado.

Assim, com o olhar perdido no vazio,
Entrelaçando o gesto acautelado,
Papel de risco sobre o almofadado,
Vai surgindo a sua arte no macio.

Desde o nascer do sol até o poente,
Devemos questionar, interiormente,
ser inútil sofrer pelo passado.

Tecendo a paz e o amor, a renascença,
Conhece-te a ti mesmo, em tua presença,
Como faz a rendeira em seu bordado.

A MULHER E O PASSADO


Ela toda manhã passava ao lado,
De um vistoso jardim. Sua estranheza
Não permitia que ela visse o nardo,
O espinho, a rosa e a flor de azul turquesa.

Cabeça baixa, rosto acabrunhado,
Não suportara as dores e a aspereza.
Haviam tantos mortos no passado,
Tornara-se insensível à beleza.

Ó dor que grita, dor que desfalece
No ciclo do viver, incontinente,
Uma manhã que vai e outra aparece!

Ela passava triste, obediente
a um sofrimento que a tudo entorpece.
Perdia no passado seu presente.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A NEGRINHA


A criança negrinha em plena praça,
A cantar e dançar em anarquia,
Mãos na cintura, muito estilo e graça,
Esbanja aos transeuntes sua alegria.

E bate palmas, grita e rodopia,
tantas outras crianças, ela abraça.
Nos seus cabelos, traz laço que enlaça
Minha atenção, voraz filosofia.

Parecia um bombom de chocolate,
O sorriso mais belo que a alvorada.
Era o vestido branco e escarlate.

Não havia em seu mundo crença ou guerra,
Inveja ou solidão desesperada.
De infância e de paz era sua terra.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

MEDITAÇÃO


Manhã de Pirangí, o sol derrama
A sua luz nas águas cristalinas,
Bordando nas espumas; nas retinas,
E no branco lençol, o diagrama.

As folhas dos coqueiros, como as crinas
De verdosos corcéis buscando a alfama.
Passa um trôpego velho e as meninas
A gritar sua infância e sua chama,

No meu olhar sereno e silencioso,
Nada penso. De tudo estou ausente,
A observar o mundo buliçoso,

Sou parte da paisagem ao passar;
nada me oprime, sou abstinente
Na luz do sol, no azul claro do mar.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O RIO


O rio corre no seu leito. É a sina.
As vezes caudaloso, às vezes manso,
Por entre as giestas, abre seu avanço,
Banhando as fralda verde da colina.

Sem regras que o detenham, sem doutrina,
Ele forma tranquilo seu remanso
E segue belo e forte, após descanso,
A cumprir o seu fado sem rotina.

Sem culpa ou dó, desbrava os banhadais,
Esparge suas águas sobre as flores,
Dá de beber às ervas e aos pardais.

Não pensa nos caminhos, a vagar;
Não importa o passado nem amores,
Segue o destino que traçou - o mar.

O HOMEM LIVRE


Foram-se os dias belos e suas cores
Que tingiam o céu nas alvoradas.
As virgens nas janelas, recostadas,
Os violões, as flautas e os cantores.

Foram-se os dias claros e suas flores,
que perfumavam o ar nas madrugadas;
Ternos brancos e as golas engomadas,
Cantos dos rouxinóis, grandes amores.

Mas lamentar o que com esta história?
Por que se preocupar o homem tanto,
Viver a vasculhar sua memória?

Ele é livre ao não ser condicionado,
Ao se despir do júbilo e do pranto,
Lançando alhures todo o seu passado.

domingo, 22 de novembro de 2009

PARTIR


Partiu, qual folha seca à ventania,
O sonho e o amor desabrigados;
Mãos e braços outrora entrelaçados,
Hoje são, da saudade, moradia.

Partiu como quem despe a fantasia
Na quarta-feira dos desconsolados.
E agora as ilusões à revelia
Da sorte e lábios mais abandonados.

Partiu como quem parte de uma festa,
com a maior segurança e toda calma.
Beijou-lhe a boca e se desfez da sorte.

Partir sempre será forma correta
de conduzir a solidão à alma
E pouco a pouco se chegar à morte!

RETRATO


Pega o pincel e pinta o teu retrato,
Não mera imagem para que outro veja.
E que o sofrido rosto nele esteja,
Com todas rugas, dores e recato.

Pega o pincel e pinta o teu retrato.
E neste esboço, que a verdade seja
As cores da palheta - o que se almeja -
Com os sentidos da visão e o tato.

Cada homem é linha, cor e traço,
É paisagem, um mar de mui sargaço,
Um símbolo, uma rosa e uma cruz.

Participa da festa e, com tal ato,
Acharás uma lâmina de luz!
Pega o pincel e pinta o teu retrato.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O POETA E O SONHO


Dorme o poeta só, de corpo inteiro,
No seu leito de versos e alfazemas.
Repousam nos espaços seus poemas,
Suas lembranças e o estro verdadeiro.

Dorme o poeta, ah, dorme o guerreiro!
E no silêncio, apenas as falenas
Sobrevoam as brancas açucenas,
Velozes no seu voo passageiro.

Enquanto dorme o poeta, as musas cantam
Uma canção de amor, fraternidade,
Na esperança voraz dele escrevê-la.

Versar as ilusões da juventude,
Da liberdade e da magnitude,
Enquanto dorme o poeta, brilha a estrela!

domingo, 15 de novembro de 2009

O PESCADOR E O POETA


Sai a jangada ao mar; desliza bela
A cortar altas ondas insistentes.
Quer seja em alvoradas ou poentes,
Recolherá cardumes com sua vela.

Enfrenta as águas, guiada pela estrela
Da noite. O mar sussurra sons plangentes.
O pescador, sem medo das correntes,
Traz sua pesca. Sim, eu pude vê-la!

Imitei-o e, com a jangada ao mar,
Intrépido, nas ondas fui pescar,
Não cardumes, porém, felicidade.

Voltei vencido, triste, acabrunhado,
Trouxe apenas lembranças do passado
E o coração repleto de saudade!

DAS RENOVAÇÕES


Renova teu amor com coisas belas,
Ao som dos rios, pássaros, avenas,
Ao ritmo das coisas mais singelas,
Como o simples cantar das cantilenas.

Renova teu amor contando estrelas,
Nas buliçosas asas das falenas,
Nos lábios que renovam as novenas,
E mãos que elevam velas pra acendê-las.

Vislumbra a claridade da manhã,
Sob a estação propícia do estival,
Entregue ao puro hálito hortelã!

Os deuses cantarão em teu louvor,
Carregarás contigo este cristal
Reluzente nas asas deste amor!

sábado, 14 de novembro de 2009

A DESCOBERTA DO AMOR


Quais bravos navegantes portugueses,
Singrando mares, altas caravelas,
Icei as ilusões, as brancas velas,
No perigo do acaso tantas vezes.

À noite, pelo rumo das estrelas,
Seguia entre procelas e reveses,
Quais bravos navegantes portugueses,
Singrando mares, altas caravelas.

Terra de Santa Cruz – A Prometida -,
Florestas, rios, grandes descobertas!
Rasguei as velas! Triste arremetida.

Aportei, sem saber, à terra crua;
Cheia de cardo, esplêndida, deserta.
No céu testemunhava a luz da lua.

AMANTE


Prepara nossa cama, nosso ninho,
Com os lençóis mais limpos do roupeiro;
Que tenha as iniciais no travesseiro,
Coração de desejo e descaminho.

Deita flores no vaso pequenino,
Após limpar a casa da poeira;
Acaricia o poeta-menino,
na hora do amor mais derradeira.

Faze que esta noite se eternize;
Que não haja no amor qualquer deslize,
Não me venha a tristeza em desabono.

Esta é a noite da nossa despedida;
Amanhã, outros tempos, outras flores,
E, quem sabe, sofrer rude abandono!

A MENINA CEGA


Menina cega que encontrei um dia
sobre as calçadas quentes, nordestinas;
Menina - diferente das meninas -,
Espectro sem luz, sem alegria.

Por que, menina cega, me pediste
Falar do Sul, esbelto e fluorescente,
Ao se aguçar em teu fatal poente
A derrocada de teus dias tristes?

Menina cega, se te encontro um dia,
Quantas coisas da vida eu falaria,
Mais ainda de teu olhar profundo!

Suportarias bem a cruz que levas;
Já não dirias mais: "Ah, tudo é trevas!",
Pois todos somos cegos neste mundo!

FESTA E SOLIDÃO


Em meio à festa, a solidão vagueia,
Buscando abrigo nos meus tristes braços.
Quero as carícias de antigos laços,
Dos quais a minha casa estava cheia.

Feliz em seu prazer, ela granjeia
Aplausos causadores de cansaço.
De fracassos de amores - de fracassos! -,
O meu viver é vento sobre areia.

Em meio à festa, a solidão reclama,
então procuro um jeito de encontrá-la.
A alma sofre de amor por quem se ama!

No desejo incontido de um abrigo,
A solidão amarga então se instala
E para sempre vem morar comigo.

CÓSMICO


Em meio ao vasto oceano cósmico
- Luminosas procelas estelares -,
Estendem-se velas, cabeças, lares,
Aumentando em série o seu fabrico.

Não existem nesta rede alares.
Somente o pranto amargo e telúrico
Desfaz-se no infinito aos colares,
Aumentando de luz o ambiente onírico.

Não há caminho que a luz abrace,
Nem orações que conduzam ao céu,
Nem ouvidos que ouçam uma prece.

Somente a solidão que nos consome
habita a consciência, faz-nos réus.
Este é o destino que conduz o homem!

SOSSEGA CORAÇÃO


Sossega coração, sossega, embora
Saiba quantos tormentos atravessas,
Dos caminhos tortuosos, às avessas.
Sossega, coração, já, sem demora!

Sossega, coração. Do amor agora
não se pode fazer quaisquer promessas;
Perdeu-se o tempo de sonhar co a aurora;
Atravessa esta ponte, atravessa!

Descansa desta longa caminhada,
Refaze-te da imensa cicatriz,
Atira ao chão a tua pobre cruz.

Relembra a antiga e límpida alvorada;
Descansa, procurando ser feliz.
Sossega, coração, e busca a luz!


domingo, 8 de novembro de 2009

MENDIGOS OCASIONAIS


- Quem são estes escravos da miséria
Que à tênue luz da noite gritam ais?
- Pais de famílias que, na longa esteira
Do desemprego, já não sonham mais.

- Quem são estes que vivem sós à beira
Das calçadas, sem nomes ou anais?
- É o sangue que circula nas artérias
Frouxas; barco perdido, sem um cais.

São camponeses que, de tanta espera
Pelas máquinas, chuvas e reformas
Vêm tentar na cidade novas eras.

E da boca da noite ouvem-se gritos.
Pelos becos escuros estas formas
Só esperam milagres do infinito

DOAÇÃO


Ora! Quanto te dei, alma daninha!
O lar, o alento... vês? o próprio rastro!
Quando nada faltava, dei-te o astro,
a riqueza maior, a alma minha.

Ora! Quanto te dei, alma mesquinha!
Todo esplendor do grande amor primeiro;
Deste mundo, o melhor e verdadeiro
Escolhi e te dei o que convinha.

Ora! Quanto te dei, e porque tanto?
Esta triste balada de meu canto,
O sorriso, o perdão e... o desafeto!

Então sorriste. Não querias crer
Que um homem como eu fosse viver
Sem luz, sem alma, sem calor, sem teto!

CORRIDA



Não mostres nunca ao mundo tua fraqueza,
Nem digas a ninguém: “Sou desgraçado”,
Porque o ser humano alienado
Tratará de aumentar sua aspereza.

Não digas a ninguém: “Eu fui vencido”;
Não dês à luz a tua insegurança,
Porque os monstros fartos de esperança
Cravarão garras sobre teus gemidos.

O que se versa aqui é o que se sente.
E na ausência da sorte, eu inocente,
Junto aos parvos chorei a minha lida.

É gente que, na ânsia de vencer,
Atropela a irmandade pra obter
O primeiro lugar nas vãs corridas!

O AMOR


Ele vem qual o vento das nortadas
Impetuoso deixa tudo em desalinho
Arranca a flor pendente no caminho
Derruba árvores, varre as estradas

Ele vem qual a chuva de invernadas
Agrestes. Se em propósitos mesquinhos
- Invade casas e destrói ninhos –
Carrega para longe – as folhadas.

Ele vem qual o raio em céu d’estanho
Grande é o seu furor e o seu tamanho
Despe toda a terra de seu véu.

Qual o vento, qual a chuva, qual o raio
Ele vem. Como vem – a flor de maio
Ele vem com os anjos vem do céu.

DO BEM COMUM


Guardo o sorriso puro, teus anelos,
A flor colhida da primeira infância,
Oculta deste mundo toda a ânsia
Guarda a tua pureza, os teus desvelos.

Guarda a rosa pôr entre teus cabelos
E mantém perfumada tua fragrância,
Guarda o cheiro do lírio da infância
Tuas lembranças e teus sonhares belos.

Guarda o fulgor deste luar primeiro
O encantamento que o sol irradia,
E aconchega-o dentro do teu seio

Quando precisares desta energia
Ao chegar o momento derradeiro,
Guarde o teu sorriso, a tua alegria.

LUA CRESCENTE


Eu não te amei em parte, fui inteiro,
Qual o riso da criança natural,
Como o sopro do vento tropical
Arrastando a jangada e o jangadeiro.

Eu não te amei em parte, fui total,
Como o sol debruçado no telheiro,
Em um longo suspiro derradeiro,
Eu não te amei em parte, fui igual.

Como a fonte deitada na colina
Cumprindo o seu dever, banhando flores,
A derramar sua água de cristal,

Eu que bebi de tua fonte as dores,
Cumpri sem reclamar a minha sina,
Eu não te amei em parte, fui total!

E SE...


E se o tempo parasse agora, neste instante
E o Deus não viesse. Após tua longa espera
E se os átomos em festa doce quimera
Fizessem estagnar este mundo vibrante

E se o tempo parasse nesta primavera
E o ideal não fosse um ébrio caminhante,
E se o tempo parasse, agora neste instante
A terra não seria esta triste esfera

Se não houvesse mãos que tristes se separam
Nem sofrimentos ou noites de pesares
Se não houvesse vidas que erraram.

E se o tempo parasse, neste momento, quando
Junto de ti, nossas almas alça os ares
E quando mais encontro-me te amando?

INCONSTÂNCIA


Partirás bem sei eu o pressinto
Em busca de quimeras ilusórias
Repetirás com outro a mesma história
Então verás que hoje eu não minto.

Trazes n’alma a suprema insegurança
Condicionada pelo mundo atroz
Alma – parte em busca d esperança
Esperança – parte em busca de tua voz.

Mas um dia verás que inconsciente
Partistes em busca do ignoto.
Te sentirás então mui descontente…

Dirás talvez que és um ser fugaz?
- Não estamos todos na vida fragorosa
Procurando nossa alma, nossa paz.

SONETO Nº 3


Já não basta da vida o antagonismo
O gosto amargo que nos vem a boca
O abismo de tudo, o grande abismo
Que tudo envolve e a todos toca

Ja não basta a lua quase louca
Debruçada em nuvens de cinismo
Ouvir da terra repito grande abismo
Sua voz cansada e muito rouca

Ja não basta os olhares das janelas
Sem brilhos os rostos pálidos,
Este céu imenso sem estrelas

Deixaste-me com a terra sem verdor
Corpo ausente de alma, de sentidos,
Descrente do meu credo – o amor

SONETO Nº 2


Quando a tarde cai merencória
Sobre os passos meus, já arquejantes
Lembro-me de tua sombra, ó marmórea
Estátua de luzes ofuscantes.

E teu vulto cresce me assustando
Com o fantasma cruel da juventude
Contemplo-me na dor, e, a plenitude
Passo a passo eu sei vai me deixando.

Embora eu saiba que esta idéia é louca
- Beijar de novo a tua linda boca
Viver contigo aquela mesma aurora

Esforço-me e, este é todo inutilmente
Só consigo ilusões, amor de crente,
E fazer versos relembrando outrora.

NITERÓI


Antigamente, em tardes coloridas
Misto de alegria e de simplicidade
Passeávamos ao longo de avenidas
Buscando um sonho que era realidade

Hoje, a menina cresceu é bem verdade
Cabelos curtos, vestes maltrapilhas
Fez do passado as ilusões perdidas
E nem sofreu com sua vaidade

Niterói, a menina perdulária
É metrópole com luzes fluorescentes
Quase sem nome – cidade de recado

Niterói – qual é a tua glória
Se o bom viver deixastes no passado
E a paz abandonou a tua história.

NÃO CRESÇA, MEU AMOR


Não cresça, meu amor, seja a criança
Que me ofertou um mundo de canduras,
Que transformou as dores as fraguaras,
Num raio majestoso de esperança.

Não cresça, meu amor, seja a criança
Que derrubou um muro em degredo
Aos ares desvendou todo o segredo,
Deste supremo bem que não alcança.

Não cresça, meu amor, seja a criança
Que transformou em terra de bonança
Deserto sem pirâmides, sem rei;

Se assim for, não haverá desatinos
A sorri para o mundo dois meninos
Fazendo do infantil a mestra e a lei.

O INSTANTE


E tudo em um instante logo passa;
O riso singular, o mais recente,
A flor que desabrocha docemente,
A dor que nos envolve e amordaça.

Assim, tudo se esvai como fumaça,
Em uma correria toda, urgente,
Debruçado a janela, este poente
Vê a noite trazer sua couraça.

As folhas são varridas pelo vento,
Efêmeras, cumprindo o seu destino,
Luar, prateando a terra com o argento.

As borboletas que, com veloz graça,
Vêem no olhar dos homens o menino
Que, num instante breve, cresce e passa.

RUÍNAS



Nada restou do amor adolescente
Nem rosas que floresçam o avarandado
O sabor do encantamento que fluente
Era de nós o eterno namorado.

Nada ficou que possa ser lembrado
Ou que reviva aquele amor ardente
Nem um pólen ou mínima semente
Traz o vento, que remonte o passado

Passo por tua casa e esquecido
Do que foi aquele amor-algema;
Nada desperta algum sentido.

Nem a luz detrás de tuas cortinas
Ou o cheiro no ar de alfazema
Tudo é pedra sobre pedra, qual ruínas.

O SONETO



Como é difícil fazer um soneto,
Gravar a própria dor com muita calma,
Somar sílaba a sílaba à dor da alma.
Juntar as frases formar um quarteto

Unir clareza ao equilíbrio, quando,
Tem-se na vida uma dor secreta.
Grande desgraça a de nascer poeta
Principalmente se ele está amando.

Sempre o bom gosto a imperar nas frases
Não deformar o estílo, cuidar as crases,
Após duas quadras formar um sexteto.

Árduo trabalho amigo, mas qu’importa
Se tendes n’alma a esperança morta,
No coração a fórmula de um soneto.

VIDA


Tenho estrelas nas mãos, raios, luares
Verde mar de tormentas, calmarias,
Noite belas de risos e folias,
Os saborosos frutos dos pomares

E tenho filigrana em meus teares
E uma mesa plena de iguarias,
Tenho em meus ouvidos sinfonias,
Gravadas, uma a uma em seus alares

Se hoje é sol, e escura a rua
Se meus pés calcam feios, frios, cardos
Se não houver a noite a linda lua

Tenho nas mãos estrelas, sol nascente
Tenho alfazema, luzes, tenho nardos
Que muito perfumaram, antigamente.

PROCURA


Procuro neste imenso torvelinho
Pôr entre rios, vales ramadas
Em céu escuro ou noites enluaradas
Nas brisas leves ou redemoinhos.

A procura em todas as estradas
Grande fanal que aquece nosso ninho
E es todo o meu viver, o meu caminho
Es a partida e encantas a chegada.

Procurando-te a esmo, sem pensar,
Que ainda existo sem ti, grande loucura,
Pôr que a vida toda hei de te amar.

E nesta ânsia de buscar, miragem,
Não sei que origem tem esta procura
Se teu amor ou minha própria imagem.

SONETO Nº 1


Eu reconheço o amor pelo olfato
Pelo sabor de sua ambrosia
Pelo gosto de alecrim, pelo tato,
A embriagues de sua fantasia.

Eu reconheço o amor pela alegria
Do prazer ao mínimo contato
Por todo o aconchego, pelo ornato
A luz que o aquece e o alumia

Tão novo quanto a própria alvorada
Tão denso quanto a própria atmosfera
Tão leve quanto o pássaro errante

Tu és este amor em debandada
Este fluxo e refluxo, incessante
Desde que chegastes, primavera

OS TEUS CABELOS


Eu gosto de sentir os teu cabelos
Quando soltos ao vento, em revoada.
Lindo conto de amor, prece calada,
Enviada por Deus aos meus apelos.

Eu gosto quando eles aos novelos
Vão-se ao vento a brincar sobre a ramada.
Ou fazem do meu peito sua morada.
Eu gosto de senti-los e de vê-los.

Quisera tê-los sempre como tema,
Uma visão diáfana em meu verso,
Um perfume gostoso de alfazema.

Do meu viver, são eles meus anelos,
Brincando sob a luz do meu universo.
Eu gosto de sentir os teus cabelos.

MUNDO MODERNO


Mundo moderno, exausto em romantismo,
Formas torcidas e descoloradas
De beijos acres e de vandalismo,
Sobre as antigas formas dispersadas;

Mundo moderno, faces mascaradas,
De credos loucos e de antagonismos,
Banal essência, pleno em formalismos,
Conquistado por coisas conquistadas.

Mundo moderno, crença fatalista
De novos rumos para um egotismo,
Eu pergunto por que, mundo destarte!

Mundo moderno - qual tua conquista,
Se deploras o sonho e o lirismo,
Se estás despido de esplendor e arte?

LEMBRANÇAS


Sei que teu peito inflama como outrora,
Ao relembrar o amor de antigamente.
Sei que ao sofrer, assim, como eu agora,
Dos sonhos, estarás, também, descrente.

E seguirás lembrando, muito embora
Haja em tua vida outro amor presente.
E loucos, seguiremos vida afora,
Com o amor que matamos num repente.

Nós dois sofremos e bem sei te digo;
Faltando a ti e a mim o amparo amigo,
Porque vazios vivem nossos braços.

Olha, saudade... quantas esperanças
Tu destruíste com teus fortes laços,
Tornando-nos escravos das lembranças.

A SOLIDÃO



A solidão que solta andeja às ruas,
Rouba-nos sonhos e entristece os ares:
Teceu com filigranas seus colares,
Com suas teias e com velas suas…

A solidão anda assaltando os lares,
Deixando-nos com as caras feito luas.
A solidão que solta andeja às ruas
Desfez suas amarras, seus alares.

Entrega-te ao cultivo da esperança,
Um sonho antigo, sonho de criança
E aos amigos, revela em alta voz

Que o homem nasceu livre, sem ter medos,
Para enfrentar os íngremes penedos,
Ou voar nas alturas do albatroz!

A LISBOA



Volto a rever-te flores nas janelas
Madrugas, liberdades e sementes,
De grandes diretrizes reluzentes,
Novos rumos a história, afivelas

É grande o despertar de adolescentes
A sussurrar suas canções mais belas,
Como os astros de luzes ascendentes
Volto a rever-te flores nas janelas;

O rio que caminha para a história
Navegando em seus mares, caravelas
Ao destino que nunca te atraiçoa,

Prendes na mão direita o louro, a glória
Que futuro despertas? Ó Lisboa!
Volto a rever-te flores nas janelas.

A BREVE MOCIDADE


A vida é pouca e a mocidade é breve;
Logo, emurchece a flor dos nossos anos;
Uma brisa comum sem quaisquer danos
Desfaz co’a luz do sol a branca neve.

A vida é nada e se afligir não deve,
Pois quem sabe dos tristes desenganos,
Vê que a felicidade nos traz danos
Quem a conhece como pluma, leve.

Vamos vivê-la em cada bom instante,
Beber o pôr-do-sol ou o levante
Sem as preocupações da própria sorte.

A vida é pouca, é nada, uma miragem,
E repentinamente a nossa imagem
É refletida no espelhar da morte.

NAQUELES TEMPOS


Naqueles tempos, sob os arvoredos,
Deitávamos às sombras: Dois errantes...
Contavam os teus lábios mil segredos
Aos meus ouvidos, tramas de amantes.

Naqueles tempos, éramos brinquedos
Do destino. E impulsos circunstantes.
Ah! Era sempre assim, os passaredos,
A lua cheia e nuvens instigantes.

O meu tesouro eram os teus desvelos,
Teu corpo belo e nu à beira-rio...
...Havia fios d’ouro em teus cabelos.

Depois vieram os grandes contratempos,
Restou-me hoje a dor, o nada, o frio
E a lembrança dos “naqueles tempos”.

IGUALDADE DAS COISAS


Existe em tudo o néctar divino,
Nada há puramente material.
Beija a desgraça o orvalho matutino
A sorte explode o grito – infernal -.

Em tudo existe similar beleza:
No pranto da criança inconformada,
No riso da velhice desgrenhada,
Do grão ao astro idêntica grandeza.

Em todas coisas, há o mesmo brilho:
A mãe que embala com carinho o filho,
O mendigo levando sua cruz.

O preso dando às grades existência,
Em si não há miséria ou ascendência,
Em tudo existe amor, existe luz.

O BELO ADORMECIDO


Era uma vez... e tanto tempo faz...
Um príncipe feliz em seu reinado,
Entre pardais e flores, perfumado,
Vivia nos seus sonhos colossais.

Era uma vez… palácio de cristais
E templos e corcéis, lindo brocado,
Tinir de taças, alto cortinado,
Colunatas em grandes catedrais.

Era tarde de luz, cristalizada,
E vestida em cantatas e florais
A camponesa se dizia a amada.

E o príncipe, em repouso numa alfombra,
Teve a roçar-lhe os lábios sua sombra
E ao mundo seu não despertou, jamais.

À VELHA ALDEIA



Quero rever a minha velha aldeia
Ouvir o som do sino da Matriz.
De pés descalços pelo chão de areia
Dizendo coisas que ninguém mais diz.

Quero rever a minha velha aldeia
O seu rio, o coreto, a flor de lis,
O aroma da saudade que permeia
A infância que não tive e que não fiz.

Fui por outros caminhos vida afora
Levando estas lembranças, muito embora,
O destino tecesse a sua teia.

De tudo fui um pouco, um aprendiz,
Quero rever a minha velha aldeia
E dizer-lhe que quase fui feliz.

BOLA DE SABÃO



Quando criança, imaginando a vida,
Com o verde canudo de mamão,
Ao soprar na ponta, lá na saída,
Formava linda bola de sabão.

E pelo vento ela era arremetida;
Eu era deus e aquela bola então,
O mundo que criei, pura ilusão,
Era a bola voando destemida.

Eu era então senhor de sua sorte
E, formava-a pequena, de fumaça.
Ou provocava a sua própria morte.

Quando cresci tudo tornou-se o inverso;
Homem é bola de sabão, é massa,
Que é soprada pôr Deus, pelo universo

A ARANHA


Morava numa casa antiga e feia
Uma aranha, a rainha dos teares
Mas tristonha, pois, tinha a casa cheia
Das suas redes vis, dos seus colares.

Queria a todo custo armar a teia
Tentando penetrar em outros lares
E a casa preferida, ao lado, creia
Há luz e vida e ótimos ceares.

Um dia entrando a aranha nesse lar
Começou a tecer, tudo sujar
E o dono descobrindo-a a expulsou.

E a casa antiga e feia de peçonha
Até hoje inda abriga a triste aranha,
Que sofre pelo mal que não causou.

SONETO DA FELICIDADE


Veio roçando em mim, lívida e bela,
Em noite sem luar, desencantada,
Conto de fadas, gota prateada,
No céu escuro e na cadente estrela.

Veio roçando em mim, como uma vela,
A iluminar um homem na jornada;
E eu lembrei-me de ti, figura amada,
Ao ver a luz entrar pela janela.

Limpei a casa e após refiz meus planos;
Não haveria, certo, mais enganos,
- Crepúsculos de minha mocidade.-

E qual conto de fadas, pude vê-la
Passar, roçando em mim, como uma estrela,
Sem ao menos me dar felicidade.

ECOLOGIA


Estão matando as árvores da praça
E aos poucos suas seivas vão morrendo;
Vão derrubando toda fé e graça
Dos seres belos que estão padecendo.

Estão matando as árvores da praça!…
Sem perceber que elas estão sofrendo.
E justiça é preciso que se faça;
Tudo que é bom vai desaparecendo.

Homens matam sem dó, sem piedade
Os frutos bons, os dias mais risonhos,
E a consciência já não é juiz!

Assim um dia, em minha mocidade,
Cortaram todos os meus belos sonhos,
E nunca mais eu pude ser feliz!...

VISÃO ATUAL


Já é noite e alto soa o campanário!
Na escuridão, apenas as falenas
Brincando em revoadas, às dezenas.
Há mãos angelicais sobre o sudário.

Ouço passos vorazes das hienas,
À luz de um sol ausente, involuntário:
É noite, e simplesmente o argentário,
Guarda réstias de pratas, obscenas.

Na penumbra, resguardo-me em couraça
Dos espetros noturnos, embuçados,
A todos conduzindo para a cruz.

É noite! dobram sinos à ameaça,
Só restando cantar os nossos fados
Nas ânsias de uma lâmina de luz.

O CICLO DA DOR


Repara o poente que no céu crepita,
Numa fúlgida luz, tremeluzente,
Repara as praias que este mar agita
Em um fluxo e refluxo, permanente.

A dor no coração, assim, habita
A ceifar ilusões de um pobre crente.
Homem, poente, mar, a dor palpita,
Grande mistério que se faz presente.

Qual a origem do primeiro poente,
Ou do primeiro e grave desencanto:
Qual o motivo estar o deus ausente?

Veio a segunda dor, veio a terceira
Seguidas em fileira, com seu pranto,
Todas as dores cópias da primeira.

FLORESOFANDO


E por te amar demais eu te dou flores
Em profusão. São brancas e amarelas,
Como no infinito a acender velas,
Para esquecer na Terra nossas dores.

E por amar demais te dou estrelas,
Eterno símbolo dos meus pendores.
Relembra em teu passado as coisas belas,
Inesquecível tempo dos amores.

Tudo é fugaz na vida, tudo passa;
é vento passageiro que a fumaça
desfaz, como os errantes passos teus.

Tudo é igual. Vencido e vencedor,
a alegria pesa qual a dor,
ao ser lançada a soma aos pés de Deus.

O HOMEM E A NATUREZA


A rosa em sua forma é total
A pétala, a haste e a beleza,
Traduz ao ser humano a certeza.
Sem ter o desespero do abissal.

O Colibri a voeja, e natural,
Bebe o néctar tranqüilo com destreza.
Não indaga a sua natureza,
Sabendo-o completo e normal.

O Homem não é pouco nem metade,
O pensamento cria a identidade
Da solidão, do nada. E vida afora,

Foge de si, do que é verdadeiro.
Não sente a bela e deslumbrante aurora,
De ser grande porque ele é inteiro.

O ARGONAUTA


Sou argonauta a navegar meu sonho
Armado de gládios, nau e de aljavas,
Bandoleiro a tornar suas escravas
As sensações deste viver tristonho.

Sou argonauta, célere, medonho,
No combate às tormentas, mui ignavas,
Erguendo a espada viva dando às bravas
Emoções de um destino, assim, risonho.

Sou argonauta a conduzir galeras,
Desfraldando nos mares brancas velas,
Içadas a esta minha diretriz.

Sou argonauta a navegar quimeras
Olhando o espaço e a contar estrelas.
Sou náutico buscando ser feliz.